Para este ano, tinha lançado ao
pessoal para desafio anual – o EOX240, uma prova que decorre entre as cidades
de Vila Verde e Ficalho e Zambujeira do Mar, na extensão de 240 km. Devido às
dificuldades físicas que seriam previsíveis, apenas consegui convencer o
Ricardo para fazer equipa comigo, à qual lhe chamamos o nome sugestivo de “Os
Fraquinhos”, quiçá adequada às nossas pessoas…lol…
Estava a treinar bem, e sentia-me
forte e confiante para realizar esta prova sem grandes dificuldades e
sofrimento, pelo menos assim pensava.
Contudo a uma semana do evento, o
meu pai faleceu, que me deixou vários dias transtornado e completamente em
baixo. Eu sabia o preço que poderia pagar caso continuasse com a ideia de participar
no EOX, já que não me sentia bem, quer emocional, como fisicamente, mas também
por outro lado não podia abandonar o Ricardo, e este ficar sem equipa. Decidi
então arriscar, com outra motivação e vontade, pelo meu enorme Pai, que anseio
que esteja num lugar bem melhor, pelos meus amigos, minha família e pelo apoio
que a minha mulher me deu, pois conseguiu compreender a importância de tudo
isto na minha vida.
Para esta viagem ainda tive a
companhia do Jorge Almeida e do Nuno, que este ano esperava concluir o desafio.
A viagem para o Alentejo decorreu
na 6ª feira, onde supostamente tudo estava preparado para seguirmos viagem…
exceto as barras, pois claro, que se tornaram uma difícil solução, malditos
parafusos pá….
Só pelas 11h30 é que conseguimos
resolver este problema, e finalmente sair da casa do Ricardo com as quatro
bicicletas no tejadilho e a mala carregadinha, até à rolha. Devido ao atraso,
só fizemos uma paragem para almoçar na Estação de Serviço do Pombal, onde todos
“manjaram“ massinha trazida de casa, para carregar o organismo de hidratos.
Chegamos ao Parque do Carvalhal
perto das 17H30, onde já se encontravam várias caras conhecidas, entre elas o
João Marinho. Devido ao atraso de alguns atletas, só pelas 17H50 é que saímos
da Praia do Carvalhal, no tranfer, que nos levaria ao início da prova, com as
bicicletas umas meias desmontadas, outras completamente acondicionadas em malas
próprias, coisas de pró e de quem viaja muito com certeza. A viagem foi
terrível e no caminho passamos em Beja pelo Hotel que à dois anos tinhamos
ficado hospedado para o SRP 160.
Já eram 20H45 quando finalmente chegamos
ao local onde supostamente iríamos pernoitar, ou seja, um pequeno jardim com
relva fofinha. Mas eis que quando já estávamos a estender âncora, fomos
informados que não poderíamos ali pernoitar, mas sim num ringue de futebol, a cerca
de 500 metros dali, onde estava montado todo o staff da prova. O grande senão é
que o chão era em terra dura com pedra, logo nada confortável, fiquei logo algo
arreliado, mas enfim…
Depois de tudo montado, fomos
levantar os nossos dorsais. E literalmente foi mesmo só isso, um dorsal e duas
fitas para prender à bicicleta, imaginam que tivemos logo dificuldades em
guardar tantas ofertas…lol…
De seguida preparamos as bikes,
para não perder muito tempo na madrugada seguinte e fomos logo de seguida
jantar. Aqui pelo preço já acordado (12€) não foi nada extraordinário, comemos
massa, carnes grelhadas, sumo, água, sopa, salada fruta e café.
De regresso ao acampamento e ao
passarmos por uma coletividade tipicamente alentejana, ainda deu para ouvir e
sentir os imponentes cantares Alentejanos, já que ali se encontravam a treinar.
Antes de dormir, ou pelo menos
tentar, ainda tínhamos de preparar cuidadosamente o que queríamos que a
organização transportasse para a 2ª e 3ª zona de abastecimento.
Não obstante o calor que se fazia
sentir naquela região, a noite estava fria, onde só aquecia com o rosnar do
ricardo, que parecia já estar a aquecer o motor para a prova.
A constante chegada durante a
madrugada dos atletas junto do staff ainda dificultou mais as coisas, dureza
máxima, e poder dormir descansado não ?????? ….
O galo como estávamos à espera, e
porque não o consegui silenciar, às 04H30 já estava a cantar. O calor aqui
estava esquisito…lol…e o Nuno ainda foi tomar o pequeno-almoço de cobertor às
costas.
Pois bem, o nervoso miudinho
sentia-se no ar, com a azáfama normal neste tipo de provas, pois nada podia
falhar nem ser esquecido, sob pena de se pagar muito caro estes erros à
posterior.
Um pouco antes das 06H00 já
estávamos na linha de partida, local onde tudo iria iniciar. Aqui ainda
estivemos com o Couto, Kiko e José Carlos que também tinham aceite este louco
desafio.
3….2….1….0…e lá partimos às
06H00, tranquilos e sem grande stress.
O percurso inicial era algo sinuoso e
arenoso, com pedra solta e alguns regos, que obrigavam a redobrar os cuidados.
Logo no início o João Marinho que fazia equipa com o Leite ficaram para trás,
pois o João furou logo a começar a prova, azares de uns, sorte de outros.
Chegamos ao 1º posto
abastecimento (54Km- Serpa) perto das 08H50, onde aproveitei para encher os depósitos
de água e comer algo, aqui ainda me sentia bem…
Quando já íamos a sair, apareceu
o Jorge com o Nuno e ainda aproveitei para lhes chegar comida e bebida, para
não perderem muito tempo, tendo logo de seguida arrancado.
Sensivelmente ao km 80 voltamos a
ser alcançados por eles, e aí logo vi que de certeza que estava em quebra
física. Rolamos os quatro até a uma aldeia onde aproveitamos para fazer uma
paragem nos correios e mercearia para abastecer de água, pois os 35 graus
apertavam e muito. Logo a seguir, perto dos km 90, o Jorge que se sentia bem,
decidiu arrancar e rolamos em trio até ao fim.
Contudo ao km 100, quando o vento
de frente já se fazia sentir, e sem grande justificação, rebentei. A pulsação estava a rondar os 125/130, mas as pernas deixaram de funcionar. Uma pequena
elevação, transformava-se numa parede difícil de transpor. Foi uma frustração
enorme não conseguir sequer rolar devagar e acompanhar o Ricardo e o Nuno, que
constantemente tinham de aguardar por mim. Nesta altura tudo passa pela cabeça
e o risco que tinha decidido assumir, estava prestes a tornar-se em pesadelo.
Aqui o Ricardo, que bem me
conhece, decidiu vir até junto de mim e literalmente rebocar-me até ao abastecimento,
que ainda estava a cerca de 10 km. Eu sabia que tinha de sofrer até lá, e,
sofri mesmo, tendo a noção que se assim continuasse só me restava abandonar a
prova. Esperava então um milagre, para trazer força às pernas e motivação para
continuar esta aventura louca.
Aproveitei este abastecimento, mais
morto que vivo, para esticar as pernas e encher a barriga ao máximo. Então
sentei-me e agarrei-me às batatas fritas, coca-cola, bananas, laranjas,
recuperador, melancia e ainda um comprimido com 200 mg de cafeína e taurina, enfim
tudo… que viesse em meu auxílio…que desespero…lol…
O calor continuava a fazer mossa
e tinha mais 50 km pela frente até ao 3º posto. Milagrosamente o corpo ganhou
“nova vida”, e as pernas começaram novamente a trabalhar, continuando contudo a
ser protegido pelo Ricardo. Percorri esta distância a ver a roda traseira dele,
que de tão colado que ia, ainda experimentei o feno para fazer uma rica
aterragem … lol…
Assim chegamos ao 3º Posto
(170km) - Aldeia de Amoreira. Aqui além do abastecimento ainda tínhamos que
colocar as luzes nas bikes, pois a noite estava muito perto. Sabíamos que íamos
entrar numa das zonas mais complicadas do percurso, pois tinha duas picadas bem
boas, que foram feitas à mão, de forma a poupar alguma energia, se é que isso
era possível… Tínhamos de cumprir mais 30 km até ao próximo abastecimento, para
mim das zonas mais bonitas de toda a prova, onde aproveitamos para parar num
tasco para o Ricardo beber uma cerveja, confraternizar mais um pouco com o
simpático povo Alentejano, que nos cumprimentava à nossa passagem, e ainda para
tirar umas bonitas fotos para mais tarde recordar.
Aos poucos o calor foi-se
dissipando, dando agora lugar ao frio, e a noite já era uma realidade. Vai daí,
ligamos as luzes e seguimos viagem agora em bom ritmo, efetuando apenas
pequenas paragens para mandar embora as cabras que por vezes se agarravam às
pernas do Nuno, coisa normal.
Surgiu então outra contrariedade,
ou seja, além das luzes do Nuno terem funcionado durante poucos quilómetros,
também as minhas tinham-se desligado…boa…contávamos apenas com as luzes do Ricardo
para alumiar o monte para nós os três … bem bom…lol..
Depois de ultrapassada a última
subida, sabíamos pelo gráfico que era sempre a rolar e a descer até à meta. Como
a luz era pouca e a velocidade começava a ser muita, já que a adrenalina corria
em bom ritmo nas veias, por vezes tínhamos que travar a fundo, quando os
buracos metiam-se na frente das nossas bicicletas, de forma a não voarmos….
Faltavam 12 km para tudo
terminar, o piso convidava e nós pimba, mete carga…começamos então a fazer
contagem decrescente…10,9,8,7,6,5,4,3,2,1…até aos 400 metros finais…em que o
Nuno decide meter a roda da frente num buraco, e dar uma cambalhota no ar, com
encarpado sem mãos com chegada ao solo a rastejar. Os berros foram tantos de
dor, que pensei que tinha partido algo. Ficamos super preocupados, pois de
imediato entrou em pânico e com sinais de hipotermia. Foram longos minutos de
muita preocupação, pois realmente o joelho e ombro estavam uma lástima, isto para
ser simpático. Aqui aproveitei a experiencia profissional para conseguir trazer
o Nuno até ao planeta terra…lol…(agora já dá para brincar)… com este tempo todo
vai que a luz do Ricardo também se desliga e então as coisas ficam escuras.
A
nossa sorte, foi que surgiu uma alma carinhosa, que nos alumiou o caminho até à
meta. Conseguimos assim terminar os 240 km em 17H45m, chegando às 22H45. Claro
que estávamos felizes, mas tendo em conta o estado físico do Nuno, nem deu para
comemorar como merecíamos.
A organização, tenho em conta o
estado grave que o mesmo se encontrava transportou-o para o centro saúde de
Odemira, onde posteriormente lhe foi diagnosticado uma rotura de ligamentos no
joelho e queimaduras de 3º grau no ombro, que medoooooo .
Sem dúvida que foi a prova mais
longa que participei, aliás é a mais longa em Portugal – 240km, e também a que
mais sofri. Foram longas 17H45m de prova, de boas/más sensações; sofrimento/alegria;
confirmação positiva e negativa de atitudes; frio/calor; superação de objetivos;
passamos por paisagens extraordinárias, com vistas infinitas de campos.
Um muito obrigado aos meus amigos
de viagem e em especial ao Ricardo, que abdicou do seu andamento, para me
trazer na sua roda e tornar possível a minha chegada ao fim da prova.
Por curiosidade, quando me
encontrava no hotel a ver as fotos na máquina, adormeci, acordando de manhã,
com a mesma em cima dos cobertores….que mocaaaaaa….lol…
"O futuro de nós dirá"....
3 comentários:
Boa cronica....parabéns
Kiko. ...esqueci
Brutal my friend,obrigado.
Forte abraço!
José Pinto
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